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sexta-feira, 18 de maio de 2012
quinta-feira, 17 de maio de 2012
quarta-feira, 16 de maio de 2012
O NAVIO NEGREIRO - CASTRO ALVES
Navio Negreiro
Castro Alves
I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
II
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...
III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
V
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...
VI
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
Castro Alves
I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
II
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu! ...
III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
V
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...
VI
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
segunda-feira, 7 de maio de 2012
Auto da Compadecida
I - Introdução o Autor
Ariano Suassuna, professor da Universidade Federal de
Pernambuco, e responsável por um dos mais importantes grupamentos musicais do
Brasil - Armorial -,é natural da Paraíba, onde nasceu em 1927. Jornalista,
escritor, crítico teatral, membro do Conselho Federal de Cultura [1968-1972],
BACHARELOU-SE EM Direito, em 1950. Escreveu diversas peças teatrais, e concluiu
o Auto da Compadecida em 1955. A peça foi representada no Primeiro Festival de
Amadores acionais em 11957, no Rio de Janeiro, tendo sido premiada, Com isso
ganhou curso nos grandes centros teatrais do sul do País.
II - O Auto da Compadecida e o Estilo de Época
O teatro, isto é, o texto teatral é uma forma cultural,
diferente de outras formas culturais que têm no texto seu veículo de
comunicação. Uma peça teatral, portanto, não é a mesma coisa que um romance, um
conto ou um poema, esse últimos indicativos de outra forma cultural, a
Literatura.
Em linhas gerais, o teatro recebe um impacto muito maior dos
condicionamentos de um dado momento histórico, do que, por outro lado, recebe a
literatura. Esses impactos se refletem na temática, no tratamento do assunto,
nas técnicas propriamente teatrais [cenarização, cenografia, ritmo, iluminação,
etc.]. Por outro lado, uma peça teatral pode descobrir motivos de criação em
outras modalidades essas que podem ou não interessar à Literatura.
Uma tragédia de Ésquilo, concebida nos elementos estruturais
da cultura grega clássica, pode adquirir uma roupagem interpretativa moderna,
e, como representação de um texto, ser perfeitamente assimilável pelo público
contemporâneo, tornando-se com isso uma peça moderna.
O grande dramaturgo brasileiro, Guilherme de Figueiredo,
compôs uma série de textos do teatro moderno brasileiro, que consistem na
imposição de uma nova "roupagem" a determinados temas da cultura
grega clássica.
Em resumo, quando tentamos verificar a que estilo de época
se liga um texto teatral, deveremos fazê-lo, não em função de critérios válidos
para a Literatura, mas em função de critérios possíveis para a história do
teatro.
Nesse sentido, verificamos que Auto da Compadecida apresenta
os seguintes elementos que permitem a identificação de sua participação num
determinado estilo de época da evolução cultural brasileira:
1- O texto propõe-se como um auto. Dentro da tradição da
cultura de língua portuguesa, o auto é uma modalidade do teatro medieval, cujo
assunto é basicamente religioso. Assim o entendeu Paula Vicente, filha de Gil
Vicente, quando publicou os textos de seu pai, no século XVI, ordenando-os
principalmente em termos de autos e farsas.
Essa proposta conduz a que a primeira intenção do texto está
em moldá-lo dentro de um enquadramento do teatro medieval português, ou mais
precisamente dentro das perspectivas do teatro de Gil de Vicente, que realizou
o ideal do teatro medieval um século mais tarde, isso no século XVI, portanto,
em plano Quinhentismo [estilo de época].
2- O texto propõe-se como resultado de uma pesquisa sobre a
tradição oral dor a romanceiros e narrativas nordestinas, fixados ou não em
termos de literatura de cordel. Propõe, portanto, um enfoque regionalista ou,
pelo menos, organiza um acervo regional com vistas a uma comunicação estética
mais trabalhada.
3- A síntese de um modelo medieval com um modelo regional
resulta, na peça, como concebida pelo Autor. Se verificarmos que as tendências
mais importantes do Modernismo definem-se no esforço por uma síntese nacional
dos processos estáticos, poderemos concluir que o texto do Auto da Compadecida
se insere nas preocupações gerais desse estilo de época, deflagrado a partir de
1922, com a Semana de Arte Moderna, em São Paulo. Um modelo característico
dessa síntese se encontra em Macunaíma, de Mário de Andrade, de 1927, e em
Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa [1956], entre outros.
III - O Estilo do Autor
Entende-se por estilo do Autor a modalidade de manipulação
criadora através da qual o escritor cria sua obra. O estilo do Autor, portanto,
é a linguagem através da qual o texto alcança sua forma final e definitiva.
Quando se faz a interpretação de uma peça teatral, o estilo
do Autor deve ser analisado dentro de uma perspectiva totalmente diferente
daquela que adotaríamos para a interpretação do romance, do conto, da novela,
do poemas - da Literatura, enfim.
Isso acontece porque a concepção do texto teatral baseia-se
na finalidade do mesmo: a representação por atores. Já o texto literário é
concebido para ser lido e meditado pelo leitor, assumindo, portanto, outra
feição.
Feita essa observação, vamos reparar que Ariano Suassuna
procura definir a forma final de seu texto através dos seguintes elementos:
1- O Autor não propõe, nas indicações que servem de base
para a representação, nenhuma atitude de linguagem oral que seja regionalista.
2- O Autor busca encontrar uma expressão uniforme para todas
a personagens, na presunção de que a diferença entre os atores estabeleça a
diferença nos chamados registros da fala.
3- A composição da linguagem é a mais próxima possível da
oralização, isto, é, o texto serve de caminho para uma via oral de expressão.
4- Os únicos registros diferentes correm, com indicados no
próprio texto, por conta:
a] do Bispo, "personagem medíocre, profundamente
enfatuado" [p.72], como se nota nesta passagem:
"Deixemos isso, passons, como dizem os franceses"
[p.74].
b] de Manuel [Jesus Cristo] e da Compadecida [Nossa
Senhora], figuras desataviadas, embora divinas, porque são concebidas como
encarnadas em pessoas comuns, como o próprio João Grilo:
"MANUEL: Foi isso mesmo, João. Esse é um dos meus
nomes, mas você pode me chamar de Jesus, de Senhor, de Deus... Ele / isto é, o
Encourado, o Diabo / `gosta de me chamar Manuel ou Emanuel, porque pensa pode
persuadir de que sou somente homem. Mas você, se quiser, pode me chamar de
Jesus". [p.147]
A COMPADECIDA: Não, João, por que iria eu me zangar? Aquele
é o versinho que Canário Pardo escreveu para mim e que eu agradeço. Não deixa
de ser uma oração, um invocação. Tem umas graças, mas isso até a torna alegre e
foi coisa de que eu sempre gostei. Quem gosta de tristeza é o diabo [p.171].
5- Quatro denominações de personagens referem-se a
determinados condicionamentos regionais: João Grilo, Severino do Aracaju, o
Encourado [o Diabo] e Chicó. Quanto ao Encourado, o Autor dá a seguinte
explicação:
Este é o diabo, que, segundo uma crença do sertão do
Nordeste, é um homem muito moreno, que se veste como um vaqueiro. [p.140]
6- Na estrutura da peça, isto é, na forma final do texto é
que se revela o estilo do Autor, concebido com o a linguagem através da qual
ele cria e comunica sua mensagem fundamental.
IV - A Estrutura do Auto da Compadecida
O estudo do Auto da Compadecida pode ser feito de dois
ângulos que se completam:
a] a técnica de composição teatral
b] a estrutura propriamente dita, ou a forma final do texto.
1- TÉCNICA DE COMPOSIÇÃO. Aqui faremos as seguintes
observações:
A- A peça não se apresenta dividida em atos. Como o autor dá
plena liberdade ao encenador e ao diretor para definirem o estilo da
representação, convém anotar que são por ele sugeridos três atos, cuja divisão
ou não por conta dos responsáveis pela encenação:
Aqui o espetáculo pode ser interrompido, a critério do
ensaiador, marcando-se o fim do primeiro ato. E pode-se continuá-lo, com a
entrada do Palhaço [p.71].
Se se montar a peça em três atos ou houver mudança de
cenário, começará a aqui a cena do Julgamento, com o pano abrindo e os mortos
despertando[p.137].
B- Do ponto de vista técnico, o Autor concebe a peça como
uma representação dentro de outra representação.
/.../ o Autor gostaria de deixar claro que seu teatro é mais
aproximado dos espetáculos de circo e da tradição popular do que do teatro
moderno [p.22].
A representação dentro da representação caracteriza-se:
a] pela apresentação do Auto da Compadecida como parte de um
espetáculo circense, espetáculo esse simbolizado no Palhaço, que faz a
apresentação da peça e dos atores.
b] pela apresentação do Auto propriamente dito, com suas
personagens.
Como a representação ocorre num circo, o Palhaço marca as
situações técnicas e estabelece a ligação entre o circo e a representação no
circo.
C- Ariano Suassuna dá plena liberdade ao diretor, no que
respeita à definição do cenário, que poderá "apresentar uma entrada de
igreja à direita, com um apequena balaustrada ao funda /../. Mas tudo isso fica
a critério do ensaiador e do cenógrafo, que podem montar a peça com dois
cenários /.../" [p.21].
D- Percebe-se, portanto, que a técnica de composição da peça
segue uma linha simplista, solicitada pelo próprio Autor, o que faz residir a
importância da mesma apenas na proposição dos diálogos e no decurso da ação
consequente.
2- A ESTRUTURA propriamente dita, isto é, a forma final do
texto é o elemento fundamental par a compreensão da peça.
A - Personagens. A peça apresenta quinze personagens de cena
e uma personagem de ligação e comando do espetáculo.
PRINCIPAL: João Grilo
OUTRAS: Chicó, Padre João, Sacristão, Padeiro, Mulher do
Padeiro, Bispo, Cangaceiro, o Encourado, Manuel, A Compadecida, Antônio Morais,
Frade, Severino do Aracaju, Demônio.
LIGAÇÃO: Palhaço
As personagens são colocadas em primeiro lugar na análise da
estrutura da peça porque ela assume uma posição simbólica, e é desse simbolismo
que deriva a importância do texto.
· João Grilo é a personagem principal porque atua como
criador de tosa as situações da peça.
· As demais personagens compõem o quadro de cada situação.
· O Palhaço, representando o Autor, liga o circo à
representação do Auto da Compadecida.
Organizado o quadro desses personagens, vejamos agora as
características de cada uma delas.
a] JOÃO GRILO. A dimensão de sua importância surge logo no
início da peça quando as personagens são apresentadas ao público pelo Palhaço.
Apenas duas personagens se dirigem ao público. Uma, a chamado do Palhaço, a
atriz que vai representar a Compadecida, e João Grilo.
"PALHAÇO: Auto da Compadecia! Uma história altamente
moral e um apelo à misericórdia.
JOÃO GRILO: Ele diz "à misericórdia", porque sabe
que, se fôssemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada"
[p.24].
Mas a importância inequívoca de João Grilo na estrutura da
peça define-se a partir do fato de que as situações do Auto da Compadecida são
todas desenvolvidas por essa personagem:
1ª] a benção do cachorro, e o expediente utilizado: o Major
Antônio Morais. JOÃO GRILO: "Era o único jeito de o padre prometer que
benzia. Tem medo da riqueza do major que se péla. Não viu a diferença? Antes
era " Que maluquice, que besteira!", agora "Não veja mal nenhum
em se abençoar as criatura de Deus!" [p.33].
2ª] a loucura do Padre João, como justifica para o Major
Antônio Morais. JOÃO GRILO: /.../ "É que eu queria avisar para Vossa
Senhoria não ficar espantado: o padre está meio doido".[p.40]. "Não
sei, é a mania dele agora. Benzer tudo e chama a gente de cachorro"[p.41].
3ª] o testamento do cachorro. JOÃO GRILO: "Esse era um
cachorro inteligente. Antes de morrer, olhava para a torre da igreja toda vez
que o sino batia. Nesses últimos tempos, já doente para morrer, botava uns
olhos bem compridos para os lados daqui, latindo na maior tristeza. Até que meu
patrão entendeu, coma a minha patroa, é claro, que ele queria ser abençoada e
morrer como cristão. Mas nem assim ele sossegou. Foi preciso que o patrão
prometesse que vinha encomendar a benção e que, no caso de ele morrer, teria um
enterro em latim. Que em troca do enterro acrescentaria no testamento dele dez
contos de réis para o padre e três para o sacristão" [p.63-64].
4ª] o gato que "descome dinheiro". JOÃO GRILO:
"Pois vou vender a ela, para tomar lugar do cachorro, um gato maravilhoso,
eu descomo dinheiro" [p.38]. "Então tiro. [Passa a mão no traseiro do
gato e tira uma prata de cinco tostões]. Esta aí, cinco tostões que o gato lhe
dá de presente"[p.96].
5ª] a gaita que fecha o corpo e ressuscita. JOÃO GRILO:
"Mas cura. Essa gaita foi benzida por Padre Cícero, pouco antes de
morrer" [p.122].
6ª] a "visita" ao Padre Cícero. JOÃO GRILO:
"Seu cabra lhe dá um tiro de rifle, você vai visitá-lo. Então eu toco na
gaita e você volta" [p.127].
Essa situação decorre da anterior, mas pode ser considerada
com o independente.
7ª] o julgamento pelo Diabo [o Encourado]. JOÃO GRILO:
"Sai daí, pai da mentira! Sempre ouvi dizer que para se condenar uma
pessoa ela tem de ser ouvida!"[p.144].
8ª] o apelo à misericórdia [À Virgem Maria]. JOÃO GRILO:
"Ah, isso é comigo. Vou fazer um chamado especial, em verso. Garanto que
ela vem, querem ver?" [p.169].
Observemos agora a distribuição das personagens nas
situações acima definidas, situações essas todas elas deflagradas por João
Grilo, como já foi observado:
V - Situação / Personagens / Conteúdo da Situação
1ª João Grilo Chicó Padre João: a bênção do cachorro da
mulher do padeiro.Expediente de João Grilo: o cachorro pertence ao Major
Antônio Morais.
2ª João Grilo Chicó Antônio Morais Padre: chega o Major
Antônio Morais.Expediente de João Grilo: o Padre João está maluco, benze a
todos e chama todo mundo de cachorro.
3ª João Grilo Padre Mulher Padeiro Chicó Sacristão Bispo: o
testamento do cachorro morto.Expediente de João Grilo: o cachorro morto,
encomendado em latim e tudo mais, deixa no seu testamento dinheiro para o
Sacristão, para o Padre e para o Bispo.Fonte do dinheiro: o Padeiro e sua
mulher.
4ª João Grilo Chicó Mulher: a mulher do Padeiro lamenta a
perda de seu cachorro.Expediente de João Grilo: arranja-lhe um gato que descome
dinheiro. Vende-o e afaz seu lucro.
5ª João Grilo Chicó Bispo Padre Padeiro Frade Sacristão
Mulher Severino [do Aracaju] Cangaceiro: o assalto do cangaceiro Severino do
Aracaju.Expediente de João Grilo: a gaita que fecha o corpo e ressuscita. A
bexiga cheia de sangue.Evento especial: todas as personagens morrem, inclusive
João Grilo. Salva-se Chicó
6ª Palhaço João Grilo Chicó Todas as demais personagens
Demônio O Encourado Manuel: ressurreição no picadeiro do circo. O Julgamento
pelo Demônio, pelo Encourado e por Manuel [Cristo].Expediente de João Grilo:
forçar o julgamento, ouvindo os pecadores.
7ª Todas as personagens A Compadecida: condenação dos
pecadores, Expediente de João Grilo: apelo à misericórdia da Virgem Maria.
Pela composição do quadro acima, nota-se que em todas as
sequências a presença de João Grilo é fundamental. Daí a afirmação de que a
peça gira em torno dessa personagem, do ponto de vista estrutural.
Que é João Grilo?
· João Grilo é uma figura típica do nordestino sabido,
analfabeto e amarelo.
· Habituado a sobreviver e a viver a partir e expedientes,
trabalha na padaria, vive em desconforto e a miséria é sua companheira.
· Sua fé nas artimanhas que cria, reflete, no fundo, uma
forma de crença arraigada na proteção que recebe, embora sem saber, da
Compadecida. É essa convicção que o salva. E ele recebe nova oportunidade de
Manuel [Cristo], retornando- à vida e à companhia de Chicó. É uma oportunidade
inusitada de ressurreição e retorno à existência. Caberá a ele provar que essa
oportunidade foi ou não bem aproveitada.
b] CHICÓ. Companheiro constante de João Grilo e,
especialmente, seu diálogo. Chicó envolve-se nos expedientes de João Grilo e é
seu parceiro, mais por solidariedade do que por convicção íntima. Mas é um
amigo leal.
c] PADRE JOÃO, O BISPO e o SACRISTÃO. Essas personagens,
embora de atuação diversa, estão concentradas em torno da cobiça, relacionada
com a situação contida no testamento do cachorro.
d] ANTÔNIO MORAIS. É a autoridade decorrente do poder econômico,
resquício do coronelismo nordestino, a quem se curvam a política, os sacerdotes
e a gente miúda.
e] PADEIRO e sua MULHER. Encarnam, um lado, a exploração do
homem pelo homem e, de outro, o adultério.
f] SEVERINO DO ARACAJU e o CANGACEIRO. Representam a
crueldade sádica, e desempenham um papel importante na sequência de número
cinco, porque nessa sequência matam e são mortos. Com isso propicia-se a
ressurreição e o julgamento.
g] O ENCOURADO e o DEMÔNIO. Julgam, aguardando seu
benefício, isto é, o aumento da clientela do inferno. É importante verificar
que representam, de alguma forma, um instrumento da Justiça, encarnado em
Manuel [O Cristo].
h] MANUEL. É o Cristo negro, justo e onisciente, encarnação
do verbo e da lei. Atua como julgador final dos da prudência mundana, do
preconceito, do falso testemunho, da velhacaria, da arrogância, da simonia, da
preguiça. Personagem a personagem têm seu pecado definido e analisado, com
sabedoria e com prudência.
i] A COMPADECIDA. É Nossa Senhora, invocada por João Grilo,
o ser que lhe dará a Segunda oportunidade da vida. Funciona efetivamente como
medianeira, plena de misericórdia, intervindo a favor de quem nela crê, João
Grilo.
B- Estrato físico. Pela atuação das personagens, pelo
sentido global que encima a peça, percebemos claramente que nela existe uma
proposição física, vinculada à Igreja Católica e à ideia da salvação.
Ao lado da significação global do texto, como estrutura, o
Palhaço define essa proposição claramente.
O Palhaço realiza, nessa peça, o papel do Corifeu, no teatro
clássico, e sua intervenção corresponde à Pará base da comédia clássica -
trecho fora do enredo dramático em que as ideias e as intenções ficam
claramente expressas:
PALHAÇO: "Ao escreve esta peça, onde combate o mundanismo,
praga de sua igreja, o autor quis ser representado por um palhaço, para indicar
que sabe, mais do que ninguém, que sua lama é um velho catre, cheio de
insensatez e de solércia. Ele não tinha o direito de tocar nesse tema, mas
ousou fazê-lo, baseado no espírito popular de sua gente, porque acredita que
esse povo sofre, é um povo e tem direito a certas intimidades" [p.23-24].
"/.../ Espero que todos os presentes aproveitem os
ensinamentos desta peça e reformem suas vidas, se bem que eu tenho certeza de que
todos os que estão aqui são uns verdadeiros santos, praticantes da virtude, do
amor a Deus e ao próximo, sem maldade, sem mesquinhez, incapazes de julgar e de
falar mal dos outros, generosos, sem avareza, ótimos patrões, excelentes
empregados, sóbrios, castos e pacientes" [p.137].
A intenção moral, ou moralidade da peça, fica muito clara,
desde que se torne claro, também, que essa intenção vincula-se a uma linha de
pensamento religioso, e da Igreja Católica.
VI - Problemática da Obra
Pela estrutura da peça, pudemos notar que:
1- sua intenção clara e expressa é de natureza moral, e de
moral católica;
2- os componentes estruturais do texto revelam personagens
que simbolizam pecados [maiores ou menores], que recebem o direito ao
julgamento, que gozam do livre-arbítrio e que são ou não condenados.
Percebe-se, de outro lado, que a preocupação maior reside em
compor um auto de moralidade, ao estilo quinhentista português [modelo Gil
Vicente], mas seguindo alinha do teatro dirigido aos catecúmenos, do Padre
Anchieta.
Para tanto, a peça se embasa em determinadas tradições
localistas e regionalistas do folclore, com vistas à sua sublimação como
instrumento pitoresco de comunicação com o público [que, no caso, seriam os
catecúmenos].
Com isso, nota-se que a realidade regional brasileira,
especificamente a realidade nordestina, está presente através de seus instrumentos
culturais mais significativos, as crenças e a literatura de cordel.
O autor não pretende analisar essa realidade brasileira, mas
a partir dela moralizar os homens, isto é, dinamizar nas suas consciências a
noção do dever humano e da responsabilidade de cada um em relação a seus
semelhantes e em relação a Deus, onisciente e onipresente.
VII - Conclusão - Síntese
Como proposição estética, o Auto da Compadecida procura
corporificar as seguintes noções:
1- a criação artística, o teatro em particular, devem levar
o povo, a cultura desse povo a ele mesmo. Daí o circo, seu picadeiro e a
representação dentro da representação.
2- menos do que essa realidade regional e cultural de um
povo, o que importa é criar um projeto que defina ideias e concepções
universais [as da Igreja, no caso] com o fim de conscientizar o público. Por
esse motivo a realidade regional nordestina é, no caso, instrumento de uma
ideia e não fim em si nessa;
3- criar um texto teatral é, antes de tudo, criá-lo para uma
encenação, daí a absoluta liberdade que o Autor dá para
qualquer modalidade de encenação. O próprio texto final da peça, como editado,
é o resultado da experiência colhida a representação pública.
NOTA: As páginas indicadas se referem ao Auto da
Compadecida, 10ª ed., Agir Editora, 1973.
domingo, 6 de maio de 2012
O AUTO DA COMPADECIDA - ARIANO SUASSUNA
João Grilo e Chicó arrumam um emprego com o padeiro da cidade. O cachorro da mulher do padeiro fica doente, João Grilo e Chicó vão à igreja para pedir ao padre que benzesse Xáreu. Mas o padre não concordou, João então disse que o cachorro era de Antônio Morais, um homem poderoso. Ao ouvir isso o padre aceitou benzer.
Quando iam saindo da igreja Chicó e J. Grilo viram Antônio indo para igreja. João se aproximou e avisou que o padre estava ficando louco chamando a todos de cahorro, para que ele não reparasse. Quando Antônio entrou na igreja logo o padre veio recebê-lo, como ele queria que a filha dele fosse benzida não houve confusão no início da conversa até que o padre referiu-se a cachorros e assim ofendeu a Antônio que disse que iria falar com o bispo sobre a groceria do padre.
Assim que ele saiu chegou na igreja o padeiro e sua mulher, João Grilo e Chicó. Xáreu acabava de morrer e a mulher queria que o cachorro fosse enterrado em latim. O padre e o sacristão não concordaram, mas João que podia agir como quisesse para conseguir o enterro logo inventou que o cachorro era cristão e em troco do enterro deixava dez contos de réis para o padre e três para o sacristão. E assim o enterro foi feito.
Quando voltaram à igreja o bispo estava lá e já sabia das reclamações contra o padre. Ao saber do enterro condenou a ação como um sacrilégio, mas João logo disse que o animal tinha deixado três contos de réis para o sacristão, quatro para o padre e seis para o bispo e assim todos concordaram com o enterro.
Foi então que a muher chegou trazendo o dinheiro para que João o entreguasse ao pessoal. Quando ela estava indo embora J. Grilo lhe ofereceu um gato que “descomia” dinheiro. A mulher ficou animada e comprou o gato, mas logo que foi embora voltou como marido, pois já tinha arrancado do gato todo o dinheiro que Chicó tinha infiado no pobre animal.
Nesse momento entrou na igreja Severino e seu capanga. Ele tomou todo o dinheiro e matou o bispo, o padre, o sacristão, o padeiro e sua mulher. Quando chegava a vez de João ele ofereceu a Severino uma gaita que ressucitava as pessoas.
Para demostrar a eficiência da gaita João deu uma facada em Chicó e lhe furou uma bexiga de bode cheia de sangue que a um tempo atrás Chicó havia pindurado em si por baixo da blusa. Logo depois começou a tocar a gaita e Chicó fez que havia ressucitado.
Em troca da gaita queriam a libertação. Mas Severino estava indeciso então João falou que ele poderia ir ver seu padrinho Padre Cícero, assim o capanga de Severino lhe dá um tiro e em seguida tocou a gaita e obviamente o cangaeiro não voltou à vida. O capanga tentou matar João e assim os três começaram uma luta e João Grilo acabou por enviar uma faca no homem.
Chicó correu pra fora da igreja, João ainda foi até Severino e pegou o dinheiro do enterro e o da padaria. O capanga que ainda não havia morrido, pegou o rifle e em seu último minuto deu um tiro em J. Grilo.
Aparecem então todos no céu. Era a hora do Juízo Final. Apareceram o diabo e Jesus e deu-se início ao julgamento, o diabo acusou a todos e Jesus viu que aquele era um caso díficil. João então chamou Nossa Senhora, mãe de Jesus para interceder por eles. Foi o que ela fez. O padre, o bispo, o sacristão, o paderio e sua mulher foram todos para o purgátorio. Severino e o seu capanga foram absolvidos e foram para o paraíso. João simplismente retornou a seu corpo.
Quando acordou viu Chicó e um palhaço o enterrando, quando ele levantou o palhaço saiu correndo e Chicó de tanto medo nem conseguiu correr. Depois de uma pequena confusão João conseguiu fazer seu amigo acreditar que ele estava vivo. Os dois então se animaram afinal estavam ricos com o dinheiro do enterro e o do padaria que o cangaceiro havia roubado.
Mas Chicó lembrou que prometou a Nossa Senhora que se João escapasse dessa lhe daria todo o dinheiro. Assim os dois começaram a discutir sobre a promessa. Por fim os dois acabaram indo pagar a promessa e entregaram todo o dinheiro a Nossa Senhora.
Quando iam saindo da igreja Chicó e J. Grilo viram Antônio indo para igreja. João se aproximou e avisou que o padre estava ficando louco chamando a todos de cahorro, para que ele não reparasse. Quando Antônio entrou na igreja logo o padre veio recebê-lo, como ele queria que a filha dele fosse benzida não houve confusão no início da conversa até que o padre referiu-se a cachorros e assim ofendeu a Antônio que disse que iria falar com o bispo sobre a groceria do padre.
Assim que ele saiu chegou na igreja o padeiro e sua mulher, João Grilo e Chicó. Xáreu acabava de morrer e a mulher queria que o cachorro fosse enterrado em latim. O padre e o sacristão não concordaram, mas João que podia agir como quisesse para conseguir o enterro logo inventou que o cachorro era cristão e em troco do enterro deixava dez contos de réis para o padre e três para o sacristão. E assim o enterro foi feito.
Quando voltaram à igreja o bispo estava lá e já sabia das reclamações contra o padre. Ao saber do enterro condenou a ação como um sacrilégio, mas João logo disse que o animal tinha deixado três contos de réis para o sacristão, quatro para o padre e seis para o bispo e assim todos concordaram com o enterro.
Foi então que a muher chegou trazendo o dinheiro para que João o entreguasse ao pessoal. Quando ela estava indo embora J. Grilo lhe ofereceu um gato que “descomia” dinheiro. A mulher ficou animada e comprou o gato, mas logo que foi embora voltou como marido, pois já tinha arrancado do gato todo o dinheiro que Chicó tinha infiado no pobre animal.
Nesse momento entrou na igreja Severino e seu capanga. Ele tomou todo o dinheiro e matou o bispo, o padre, o sacristão, o padeiro e sua mulher. Quando chegava a vez de João ele ofereceu a Severino uma gaita que ressucitava as pessoas.
Para demostrar a eficiência da gaita João deu uma facada em Chicó e lhe furou uma bexiga de bode cheia de sangue que a um tempo atrás Chicó havia pindurado em si por baixo da blusa. Logo depois começou a tocar a gaita e Chicó fez que havia ressucitado.
Em troca da gaita queriam a libertação. Mas Severino estava indeciso então João falou que ele poderia ir ver seu padrinho Padre Cícero, assim o capanga de Severino lhe dá um tiro e em seguida tocou a gaita e obviamente o cangaeiro não voltou à vida. O capanga tentou matar João e assim os três começaram uma luta e João Grilo acabou por enviar uma faca no homem.
Chicó correu pra fora da igreja, João ainda foi até Severino e pegou o dinheiro do enterro e o da padaria. O capanga que ainda não havia morrido, pegou o rifle e em seu último minuto deu um tiro em J. Grilo.
Aparecem então todos no céu. Era a hora do Juízo Final. Apareceram o diabo e Jesus e deu-se início ao julgamento, o diabo acusou a todos e Jesus viu que aquele era um caso díficil. João então chamou Nossa Senhora, mãe de Jesus para interceder por eles. Foi o que ela fez. O padre, o bispo, o sacristão, o paderio e sua mulher foram todos para o purgátorio. Severino e o seu capanga foram absolvidos e foram para o paraíso. João simplismente retornou a seu corpo.
Quando acordou viu Chicó e um palhaço o enterrando, quando ele levantou o palhaço saiu correndo e Chicó de tanto medo nem conseguiu correr. Depois de uma pequena confusão João conseguiu fazer seu amigo acreditar que ele estava vivo. Os dois então se animaram afinal estavam ricos com o dinheiro do enterro e o do padaria que o cangaceiro havia roubado.
Mas Chicó lembrou que prometou a Nossa Senhora que se João escapasse dessa lhe daria todo o dinheiro. Assim os dois começaram a discutir sobre a promessa. Por fim os dois acabaram indo pagar a promessa e entregaram todo o dinheiro a Nossa Senhora.
terça-feira, 1 de maio de 2012
segunda-feira, 30 de abril de 2012
LIRA DOS VINTE ANOS
O livro é dividido em duas partes, onde na Primeira Parte de Lira dos Vinte Anos predomina a poesia mais sentimental, o devaneio do primeiro Byron e de Musset. Pontificam o medo de amar, o desejo vago por virgens inatingíveis, o sentimento de culpa frente aos desejos carnais e o fascínio com a morte. Trata-se de uma poesia de seres imaginários e ideias abstratas vagando na noite enevoada. Na Segunda Parte de Lira dos Vinte Anos, Álvares de Azevedo envereda por um romantismo irônico e sarcástico. Sem abandonar os temas do amor e da morte, representados sempre sob o manto da noite sombria, passa agora a “falar com coisas” (para usar o termo de João Cabral de Melo Neto) - a poetizar os objetos que o rodeiam. Vai agora, em processo claramente metalinguístico, dialogar ironicamente com os grandes autores do romantismo. Escreve sobre os charutos, sobre uma queda de cavalo (intuição?), sobre o dinheiro (ou a falta deste), em suma, sobre temas corriqueiros que não cabiam na poesia onírica e sentimental da Primeira Parte.
domingo, 29 de abril de 2012
O TEATRO MÁGICO
Muita Literatura, cultura, sentimento, expressão, arte... Ouçam, assistam!
O TEATRO MÁGICO
"Senhoras e Senhores, as coisas óbvias e simples passam despercebidas muitas vezes diante de nós e a gente perde a poesia do cotidiano. Ontem acabou, passou, já foi; daqui a pouco nem existe ainda, nem começou e a gente só tem agora para poder se declarar, para poder criticar, para poder olhar no olho, para se confessar, para ser e estar..."
sábado, 28 de abril de 2012
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