sexta-feira, 18 de maio de 2012

Tieta do agreste 3* A

Tieta do Agreste Resumo VM

Tieta do Agreste Grupo: Hudson

Tieta do Agreste Matheus Teixeira

A história de Tieta

Tieta do Agreste Resumo 3° A

Trabalho de Literatura Documetario Tieta do Agreste

Tieta do Agreste Trabalho Lieteratura

quarta-feira, 16 de maio de 2012

O NAVIO NEGREIRO - CASTRO ALVES

Navio Negreiro




Castro Alves







I



'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço

Brinca o luar — dourada borboleta;

E as vagas após ele correm... cansam

Como turba de infantes inquieta.



'Stamos em pleno mar... Do firmamento

Os astros saltam como espumas de ouro...

O mar em troca acende as ardentias,

— Constelações do líquido tesouro...



'Stamos em pleno mar... Dois infinitos

Ali se estreitam num abraço insano,

Azuis, dourados, plácidos, sublimes...

Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...



'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas

Ao quente arfar das virações marinhas,

Veleiro brigue corre à flor dos mares,

Como roçam na vaga as andorinhas...



Donde vem? onde vai? Das naus errantes

Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?

Neste saara os corcéis o pó levantam,

Galopam, voam, mas não deixam traço.



Bem feliz quem ali pode nest'hora

Sentir deste painel a majestade!

Embaixo — o mar em cima — o firmamento...

E no mar e no céu — a imensidade!



Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!

Que música suave ao longe soa!

Meu Deus! como é sublime um canto ardente

Pelas vagas sem fim boiando à toa!



Homens do mar! ó rudes marinheiros,

Tostados pelo sol dos quatro mundos!

Crianças que a procela acalentara

No berço destes pélagos profundos!



Esperai! esperai! deixai que eu beba

Esta selvagem, livre poesia

Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,

E o vento, que nas cordas assobia...

..........................................................



Por que foges assim, barco ligeiro?

Por que foges do pávido poeta?

Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira

Que semelha no mar — doudo cometa!



Albatroz! Albatroz! águia do oceano,

Tu que dormes das nuvens entre as gazas,

Sacode as penas, Leviathan do espaço,

Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.





II





Que importa do nauta o berço,

Donde é filho, qual seu lar?

Ama a cadência do verso

Que lhe ensina o velho mar!

Cantai! que a morte é divina!

Resvala o brigue à bolina

Como golfinho veloz.

Presa ao mastro da mezena

Saudosa bandeira acena

As vagas que deixa após.



Do Espanhol as cantilenas

Requebradas de langor,

Lembram as moças morenas,

As andaluzas em flor!

Da Itália o filho indolente

Canta Veneza dormente,

— Terra de amor e traição,

Ou do golfo no regaço

Relembra os versos de Tasso,

Junto às lavas do vulcão!



O Inglês — marinheiro frio,

Que ao nascer no mar se achou,

(Porque a Inglaterra é um navio,

Que Deus na Mancha ancorou),

Rijo entoa pátrias glórias,

Lembrando, orgulhoso, histórias

De Nelson e de Aboukir.. .

O Francês — predestinado —

Canta os louros do passado

E os loureiros do porvir!



Os marinheiros Helenos,

Que a vaga jônia criou,

Belos piratas morenos

Do mar que Ulisses cortou,

Homens que Fídias talhara,

Vão cantando em noite clara

Versos que Homero gemeu ...

Nautas de todas as plagas,

Vós sabeis achar nas vagas

As melodias do céu! ...





III





Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!

Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano

Como o teu mergulhar no brigue voador!

Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!

É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...

Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!





IV





Era um sonho dantesco... o tombadilho

Que das luzernas avermelha o brilho.

Em sangue a se banhar.

Tinir de ferros... estalar de açoite...

Legiões de homens negros como a noite,

Horrendos a dançar...



Negras mulheres, suspendendo às tetas

Magras crianças, cujas bocas pretas

Rega o sangue das mães:

Outras moças, mas nuas e espantadas,

No turbilhão de espectros arrastadas,

Em ânsia e mágoa vãs!



E ri-se a orquestra irônica, estridente...

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais ...

Se o velho arqueja, se no chão resvala,

Ouvem-se gritos... o chicote estala.

E voam mais e mais...



Presa nos elos de uma só cadeia,

A multidão faminta cambaleia,

E chora e dança ali!

Um de raiva delira, outro enlouquece,

Outro, que martírios embrutece,

Cantando, geme e ri!



No entanto o capitão manda a manobra,

E após fitando o céu que se desdobra,

Tão puro sobre o mar,

Diz do fumo entre os densos nevoeiros:

"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!

Fazei-os mais dançar!..."



E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais...

Qual um sonho dantesco as sombras voam!...

Gritos, ais, maldições, preces ressoam!

E ri-se Satanás!...





V





Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade

Tanto horror perante os céus?!

Ó mar, por que não apagas

Co'a esponja de tuas vagas

De teu manto este borrão?...

Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!



Quem são estes desgraçados

Que não encontram em vós

Mais que o rir calmo da turba

Que excita a fúria do algoz?

Quem são? Se a estrela se cala,

Se a vaga à pressa resvala

Como um cúmplice fugaz,

Perante a noite confusa...

Dize-o tu, severa Musa,

Musa libérrima, audaz!...



São os filhos do deserto,

Onde a terra esposa a luz.

Onde vive em campo aberto

A tribo dos homens nus...

São os guerreiros ousados

Que com os tigres mosqueados

Combatem na solidão.

Ontem simples, fortes, bravos.

Hoje míseros escravos,

Sem luz, sem ar, sem razão. . .



São mulheres desgraçadas,

Como Agar o foi também.

Que sedentas, alquebradas,

De longe... bem longe vêm...

Trazendo com tíbios passos,

Filhos e algemas nos braços,

N'alma — lágrimas e fel...

Como Agar sofrendo tanto,

Que nem o leite de pranto

Têm que dar para Ismael.



Lá nas areias infindas,

Das palmeiras no país,

Nasceram crianças lindas,

Viveram moças gentis...

Passa um dia a caravana,

Quando a virgem na cabana

Cisma da noite nos véus ...

... Adeus, ó choça do monte,

... Adeus, palmeiras da fonte!...

... Adeus, amores... adeus!...



Depois, o areal extenso...

Depois, o oceano de pó.

Depois no horizonte imenso

Desertos... desertos só...

E a fome, o cansaço, a sede...

Ai! quanto infeliz que cede,

E cai p'ra não mais s'erguer!...

Vaga um lugar na cadeia,

Mas o chacal sobre a areia

Acha um corpo que roer.



Ontem a Serra Leoa,

A guerra, a caça ao leão,

O sono dormido à toa

Sob as tendas d'amplidão!

Hoje... o porão negro, fundo,

Infecto, apertado, imundo,

Tendo a peste por jaguar...

E o sono sempre cortado

Pelo arranco de um finado,

E o baque de um corpo ao mar...



Ontem plena liberdade,

A vontade por poder...

Hoje... cúm'lo de maldade,

Nem são livres p'ra morrer. .

Prende-os a mesma corrente

— Férrea, lúgubre serpente —

Nas roscas da escravidão.

E assim zombando da morte,

Dança a lúgubre coorte

Ao som do açoute... Irrisão!...



Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus,

Se eu deliro... ou se é verdade

Tanto horror perante os céus?!...

Ó mar, por que não apagas

Co'a esponja de tuas vagas

Do teu manto este borrão?

Astros! noites! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão! ...





VI





Existe um povo que a bandeira empresta

P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...

E deixa-a transformar-se nessa festa

Em manto impuro de bacante fria!...

Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,

Que impudente na gávea tripudia?

Silêncio. Musa... chora, e chora tanto

Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...



Auriverde pendão de minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balança,

Estandarte que a luz do sol encerra

E as promessas divinas da esperança...

Tu que, da liberdade após a guerra,

Foste hasteado dos heróis na lança

Antes te houvessem roto na batalha,

Que servires a um povo de mortalha!...



Fatalidade atroz que a mente esmaga!

Extingue nesta hora o brigue imundo

O trilho que Colombo abriu nas vagas,

Como um íris no pélago profundo!

Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga

Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!

Andrada! arranca esse pendão dos ares!

Colombo! fecha a porta dos teus mares!



segunda-feira, 7 de maio de 2012

Auto da Compadecida


I - Introdução o Autor

Ariano Suassuna, professor da Universidade Federal de Pernambuco, e responsável por um dos mais importantes grupamentos musicais do Brasil - Armorial -,é natural da Paraíba, onde nasceu em 1927. Jornalista, escritor, crítico teatral, membro do Conselho Federal de Cultura [1968-1972], BACHARELOU-SE EM Direito, em 1950. Escreveu diversas peças teatrais, e concluiu o Auto da Compadecida em 1955. A peça foi representada no Primeiro Festival de Amadores acionais em 11957, no Rio de Janeiro, tendo sido premiada, Com isso ganhou curso nos grandes centros teatrais do sul do País.

II - O Auto da Compadecida e o Estilo de Época

O teatro, isto é, o texto teatral é uma forma cultural, diferente de outras formas culturais que têm no texto seu veículo de comunicação. Uma peça teatral, portanto, não é a mesma coisa que um romance, um conto ou um poema, esse últimos indicativos de outra forma cultural, a Literatura.

Em linhas gerais, o teatro recebe um impacto muito maior dos condicionamentos de um dado momento histórico, do que, por outro lado, recebe a literatura. Esses impactos se refletem na temática, no tratamento do assunto, nas técnicas propriamente teatrais [cenarização, cenografia, ritmo, iluminação, etc.]. Por outro lado, uma peça teatral pode descobrir motivos de criação em outras modalidades essas que podem ou não interessar à Literatura.

Uma tragédia de Ésquilo, concebida nos elementos estruturais da cultura grega clássica, pode adquirir uma roupagem interpretativa moderna, e, como representação de um texto, ser perfeitamente assimilável pelo público contemporâneo, tornando-se com isso uma peça moderna.

O grande dramaturgo brasileiro, Guilherme de Figueiredo, compôs uma série de textos do teatro moderno brasileiro, que consistem na imposição de uma nova "roupagem" a determinados temas da cultura grega clássica.

Em resumo, quando tentamos verificar a que estilo de época se liga um texto teatral, deveremos fazê-lo, não em função de critérios válidos para a Literatura, mas em função de critérios possíveis para a história do teatro.
Nesse sentido, verificamos que Auto da Compadecida apresenta os seguintes elementos que permitem a identificação de sua participação num determinado estilo de época da evolução cultural brasileira:

1- O texto propõe-se como um auto. Dentro da tradição da cultura de língua portuguesa, o auto é uma modalidade do teatro medieval, cujo assunto é basicamente religioso. Assim o entendeu Paula Vicente, filha de Gil Vicente, quando publicou os textos de seu pai, no século XVI, ordenando-os principalmente em termos de autos e farsas.
Essa proposta conduz a que a primeira intenção do texto está em moldá-lo dentro de um enquadramento do teatro medieval português, ou mais precisamente dentro das perspectivas do teatro de Gil de Vicente, que realizou o ideal do teatro medieval um século mais tarde, isso no século XVI, portanto, em plano Quinhentismo [estilo de época].

2- O texto propõe-se como resultado de uma pesquisa sobre a tradição oral dor a romanceiros e narrativas nordestinas, fixados ou não em termos de literatura de cordel. Propõe, portanto, um enfoque regionalista ou, pelo menos, organiza um acervo regional com vistas a uma comunicação estética mais trabalhada.

3- A síntese de um modelo medieval com um modelo regional resulta, na peça, como concebida pelo Autor. Se verificarmos que as tendências mais importantes do Modernismo definem-se no esforço por uma síntese nacional dos processos estáticos, poderemos concluir que o texto do Auto da Compadecida se insere nas preocupações gerais desse estilo de época, deflagrado a partir de 1922, com a Semana de Arte Moderna, em São Paulo. Um modelo característico dessa síntese se encontra em Macunaíma, de Mário de Andrade, de 1927, e em Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa [1956], entre outros.

III - O Estilo do Autor

Entende-se por estilo do Autor a modalidade de manipulação criadora através da qual o escritor cria sua obra. O estilo do Autor, portanto, é a linguagem através da qual o texto alcança sua forma final e definitiva.

Quando se faz a interpretação de uma peça teatral, o estilo do Autor deve ser analisado dentro de uma perspectiva totalmente diferente daquela que adotaríamos para a interpretação do romance, do conto, da novela, do poemas - da Literatura, enfim.

Isso acontece porque a concepção do texto teatral baseia-se na finalidade do mesmo: a representação por atores. Já o texto literário é concebido para ser lido e meditado pelo leitor, assumindo, portanto, outra feição.

Feita essa observação, vamos reparar que Ariano Suassuna procura definir a forma final de seu texto através dos seguintes elementos:

1- O Autor não propõe, nas indicações que servem de base para a representação, nenhuma atitude de linguagem oral que seja regionalista.

2- O Autor busca encontrar uma expressão uniforme para todas a personagens, na presunção de que a diferença entre os atores estabeleça a diferença nos chamados registros da fala.

3- A composição da linguagem é a mais próxima possível da oralização, isto, é, o texto serve de caminho para uma via oral de expressão.

4- Os únicos registros diferentes correm, com indicados no próprio texto, por conta:

a] do Bispo, "personagem medíocre, profundamente enfatuado" [p.72], como se nota nesta passagem:
"Deixemos isso, passons, como dizem os franceses" [p.74].

b] de Manuel [Jesus Cristo] e da Compadecida [Nossa Senhora], figuras desataviadas, embora divinas, porque são concebidas como encarnadas em pessoas comuns, como o próprio João Grilo:

"MANUEL: Foi isso mesmo, João. Esse é um dos meus nomes, mas você pode me chamar de Jesus, de Senhor, de Deus... Ele / isto é, o Encourado, o Diabo / `gosta de me chamar Manuel ou Emanuel, porque pensa pode persuadir de que sou somente homem. Mas você, se quiser, pode me chamar de Jesus". [p.147]

A COMPADECIDA: Não, João, por que iria eu me zangar? Aquele é o versinho que Canário Pardo escreveu para mim e que eu agradeço. Não deixa de ser uma oração, um invocação. Tem umas graças, mas isso até a torna alegre e foi coisa de que eu sempre gostei. Quem gosta de tristeza é o diabo [p.171].

5- Quatro denominações de personagens referem-se a determinados condicionamentos regionais: João Grilo, Severino do Aracaju, o Encourado [o Diabo] e Chicó. Quanto ao Encourado, o Autor dá a seguinte explicação:

Este é o diabo, que, segundo uma crença do sertão do Nordeste, é um homem muito moreno, que se veste como um vaqueiro. [p.140]

6- Na estrutura da peça, isto é, na forma final do texto é que se revela o estilo do Autor, concebido com o a linguagem através da qual ele cria e comunica sua mensagem fundamental.

IV - A Estrutura do Auto da Compadecida

O estudo do Auto da Compadecida pode ser feito de dois ângulos que se completam:

a] a técnica de composição teatral

b] a estrutura propriamente dita, ou a forma final do texto.

1- TÉCNICA DE COMPOSIÇÃO. Aqui faremos as seguintes observações:

A- A peça não se apresenta dividida em atos. Como o autor dá plena liberdade ao encenador e ao diretor para definirem o estilo da representação, convém anotar que são por ele sugeridos três atos, cuja divisão ou não por conta dos responsáveis pela encenação:

Aqui o espetáculo pode ser interrompido, a critério do ensaiador, marcando-se o fim do primeiro ato. E pode-se continuá-lo, com a entrada do Palhaço [p.71].

Se se montar a peça em três atos ou houver mudança de cenário, começará a aqui a cena do Julgamento, com o pano abrindo e os mortos despertando[p.137].

B- Do ponto de vista técnico, o Autor concebe a peça como uma representação dentro de outra representação.

/.../ o Autor gostaria de deixar claro que seu teatro é mais aproximado dos espetáculos de circo e da tradição popular do que do teatro moderno [p.22].

A representação dentro da representação caracteriza-se:

a] pela apresentação do Auto da Compadecida como parte de um espetáculo circense, espetáculo esse simbolizado no Palhaço, que faz a apresentação da peça e dos atores.

b] pela apresentação do Auto propriamente dito, com suas personagens.
Como a representação ocorre num circo, o Palhaço marca as situações técnicas e estabelece a ligação entre o circo e a representação no circo.

C- Ariano Suassuna dá plena liberdade ao diretor, no que respeita à definição do cenário, que poderá "apresentar uma entrada de igreja à direita, com um apequena balaustrada ao funda /../. Mas tudo isso fica a critério do ensaiador e do cenógrafo, que podem montar a peça com dois cenários /.../" [p.21].

D- Percebe-se, portanto, que a técnica de composição da peça segue uma linha simplista, solicitada pelo próprio Autor, o que faz residir a importância da mesma apenas na proposição dos diálogos e no decurso da ação consequente.

2- A ESTRUTURA propriamente dita, isto é, a forma final do texto é o elemento fundamental par a compreensão da peça.
A - Personagens. A peça apresenta quinze personagens de cena e uma personagem de ligação e comando do espetáculo.

PRINCIPAL: João Grilo

OUTRAS: Chicó, Padre João, Sacristão, Padeiro, Mulher do Padeiro, Bispo, Cangaceiro, o Encourado, Manuel, A Compadecida, Antônio Morais, Frade, Severino do Aracaju, Demônio.

LIGAÇÃO: Palhaço

As personagens são colocadas em primeiro lugar na análise da estrutura da peça porque ela assume uma posição simbólica, e é desse simbolismo que deriva a importância do texto.

· João Grilo é a personagem principal porque atua como criador de tosa as situações da peça.

· As demais personagens compõem o quadro de cada situação.

· O Palhaço, representando o Autor, liga o circo à representação do Auto da Compadecida.

Organizado o quadro desses personagens, vejamos agora as características de cada uma delas.

a] JOÃO GRILO. A dimensão de sua importância surge logo no início da peça quando as personagens são apresentadas ao público pelo Palhaço. Apenas duas personagens se dirigem ao público. Uma, a chamado do Palhaço, a atriz que vai representar a Compadecida, e João Grilo.
"PALHAÇO: Auto da Compadecia! Uma história altamente moral e um apelo à misericórdia.

JOÃO GRILO: Ele diz "à misericórdia", porque sabe que, se fôssemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada" [p.24].
Mas a importância inequívoca de João Grilo na estrutura da peça define-se a partir do fato de que as situações do Auto da Compadecida são todas desenvolvidas por essa personagem:

1ª] a benção do cachorro, e o expediente utilizado: o Major Antônio Morais. JOÃO GRILO: "Era o único jeito de o padre prometer que benzia. Tem medo da riqueza do major que se péla. Não viu a diferença? Antes era " Que maluquice, que besteira!", agora "Não veja mal nenhum em se abençoar as criatura de Deus!" [p.33].

2ª] a loucura do Padre João, como justifica para o Major Antônio Morais. JOÃO GRILO: /.../ "É que eu queria avisar para Vossa Senhoria não ficar espantado: o padre está meio doido".[p.40]. "Não sei, é a mania dele agora. Benzer tudo e chama a gente de cachorro"[p.41].

3ª] o testamento do cachorro. JOÃO GRILO: "Esse era um cachorro inteligente. Antes de morrer, olhava para a torre da igreja toda vez que o sino batia. Nesses últimos tempos, já doente para morrer, botava uns olhos bem compridos para os lados daqui, latindo na maior tristeza. Até que meu patrão entendeu, coma a minha patroa, é claro, que ele queria ser abençoada e morrer como cristão. Mas nem assim ele sossegou. Foi preciso que o patrão prometesse que vinha encomendar a benção e que, no caso de ele morrer, teria um enterro em latim. Que em troca do enterro acrescentaria no testamento dele dez contos de réis para o padre e três para o sacristão" [p.63-64].

4ª] o gato que "descome dinheiro". JOÃO GRILO: "Pois vou vender a ela, para tomar lugar do cachorro, um gato maravilhoso, eu descomo dinheiro" [p.38]. "Então tiro. [Passa a mão no traseiro do gato e tira uma prata de cinco tostões]. Esta aí, cinco tostões que o gato lhe dá de presente"[p.96].

5ª] a gaita que fecha o corpo e ressuscita. JOÃO GRILO: "Mas cura. Essa gaita foi benzida por Padre Cícero, pouco antes de morrer" [p.122].

6ª] a "visita" ao Padre Cícero. JOÃO GRILO: "Seu cabra lhe dá um tiro de rifle, você vai visitá-lo. Então eu toco na gaita e você volta" [p.127].
Essa situação decorre da anterior, mas pode ser considerada com o independente.

7ª] o julgamento pelo Diabo [o Encourado]. JOÃO GRILO: "Sai daí, pai da mentira! Sempre ouvi dizer que para se condenar uma pessoa ela tem de ser ouvida!"[p.144].

8ª] o apelo à misericórdia [À Virgem Maria]. JOÃO GRILO: "Ah, isso é comigo. Vou fazer um chamado especial, em verso. Garanto que ela vem, querem ver?" [p.169].

Observemos agora a distribuição das personagens nas situações acima definidas, situações essas todas elas deflagradas por João Grilo, como já foi observado:

V - Situação / Personagens / Conteúdo da Situação

1ª João Grilo Chicó Padre João: a bênção do cachorro da mulher do padeiro.Expediente de João Grilo: o cachorro pertence ao Major Antônio Morais.

2ª João Grilo Chicó Antônio Morais Padre: chega o Major Antônio Morais.Expediente de João Grilo: o Padre João está maluco, benze a todos e chama todo mundo de cachorro.

3ª João Grilo Padre Mulher Padeiro Chicó Sacristão Bispo: o testamento do cachorro morto.Expediente de João Grilo: o cachorro morto, encomendado em latim e tudo mais, deixa no seu testamento dinheiro para o Sacristão, para o Padre e para o Bispo.Fonte do dinheiro: o Padeiro e sua mulher.

4ª João Grilo Chicó Mulher: a mulher do Padeiro lamenta a perda de seu cachorro.Expediente de João Grilo: arranja-lhe um gato que descome dinheiro. Vende-o e afaz seu lucro.

5ª João Grilo Chicó Bispo Padre Padeiro Frade Sacristão Mulher Severino [do Aracaju] Cangaceiro: o assalto do cangaceiro Severino do Aracaju.Expediente de João Grilo: a gaita que fecha o corpo e ressuscita. A bexiga cheia de sangue.Evento especial: todas as personagens morrem, inclusive João Grilo. Salva-se Chicó

6ª Palhaço João Grilo Chicó Todas as demais personagens Demônio O Encourado Manuel: ressurreição no picadeiro do circo. O Julgamento pelo Demônio, pelo Encourado e por Manuel [Cristo].Expediente de João Grilo: forçar o julgamento, ouvindo os pecadores.

7ª Todas as personagens A Compadecida: condenação dos pecadores, Expediente de João Grilo: apelo à misericórdia da Virgem Maria.

Pela composição do quadro acima, nota-se que em todas as sequências a presença de João Grilo é fundamental. Daí a afirmação de que a peça gira em torno dessa personagem, do ponto de vista estrutural.
Que é João Grilo?

· João Grilo é uma figura típica do nordestino sabido, analfabeto e amarelo.
· Habituado a sobreviver e a viver a partir e expedientes, trabalha na padaria, vive em desconforto e a miséria é sua companheira.

· Sua fé nas artimanhas que cria, reflete, no fundo, uma forma de crença arraigada na proteção que recebe, embora sem saber, da Compadecida. É essa convicção que o salva. E ele recebe nova oportunidade de Manuel [Cristo], retornando- à vida e à companhia de Chicó. É uma oportunidade inusitada de ressurreição e retorno à existência. Caberá a ele provar que essa oportunidade foi ou não bem aproveitada.

b] CHICÓ. Companheiro constante de João Grilo e, especialmente, seu diálogo. Chicó envolve-se nos expedientes de João Grilo e é seu parceiro, mais por solidariedade do que por convicção íntima. Mas é um amigo leal.

c] PADRE JOÃO, O BISPO e o SACRISTÃO. Essas personagens, embora de atuação diversa, estão concentradas em torno da cobiça, relacionada com a situação contida no testamento do cachorro.

d] ANTÔNIO MORAIS. É a autoridade decorrente do poder econômico, resquício do coronelismo nordestino, a quem se curvam a política, os sacerdotes e a gente miúda.

e] PADEIRO e sua MULHER. Encarnam, um lado, a exploração do homem pelo homem e, de outro, o adultério.

f] SEVERINO DO ARACAJU e o CANGACEIRO. Representam a crueldade sádica, e desempenham um papel importante na sequência de número cinco, porque nessa sequência matam e são mortos. Com isso propicia-se a ressurreição e o julgamento.

g] O ENCOURADO e o DEMÔNIO. Julgam, aguardando seu benefício, isto é, o aumento da clientela do inferno. É importante verificar que representam, de alguma forma, um instrumento da Justiça, encarnado em Manuel [O Cristo].

h] MANUEL. É o Cristo negro, justo e onisciente, encarnação do verbo e da lei. Atua como julgador final dos da prudência mundana, do preconceito, do falso testemunho, da velhacaria, da arrogância, da simonia, da preguiça. Personagem a personagem têm seu pecado definido e analisado, com sabedoria e com prudência.

i] A COMPADECIDA. É Nossa Senhora, invocada por João Grilo, o ser que lhe dará a Segunda oportunidade da vida. Funciona efetivamente como medianeira, plena de misericórdia, intervindo a favor de quem nela crê, João Grilo.

B- Estrato físico. Pela atuação das personagens, pelo sentido global que encima a peça, percebemos claramente que nela existe uma proposição física, vinculada à Igreja Católica e à ideia da salvação.
Ao lado da significação global do texto, como estrutura, o Palhaço define essa proposição claramente.
O Palhaço realiza, nessa peça, o papel do Corifeu, no teatro clássico, e sua intervenção corresponde à Pará base da comédia clássica - trecho fora do enredo dramático em que as ideias e as intenções ficam claramente expressas:

PALHAÇO: "Ao escreve esta peça, onde combate o mundanismo, praga de sua igreja, o autor quis ser representado por um palhaço, para indicar que sabe, mais do que ninguém, que sua lama é um velho catre, cheio de insensatez e de solércia. Ele não tinha o direito de tocar nesse tema, mas ousou fazê-lo, baseado no espírito popular de sua gente, porque acredita que esse povo sofre, é um povo e tem direito a certas intimidades" [p.23-24].
"/.../ Espero que todos os presentes aproveitem os ensinamentos desta peça e reformem suas vidas, se bem que eu tenho certeza de que todos os que estão aqui são uns verdadeiros santos, praticantes da virtude, do amor a Deus e ao próximo, sem maldade, sem mesquinhez, incapazes de julgar e de falar mal dos outros, generosos, sem avareza, ótimos patrões, excelentes empregados, sóbrios, castos e pacientes" [p.137].
A intenção moral, ou moralidade da peça, fica muito clara, desde que se torne claro, também, que essa intenção vincula-se a uma linha de pensamento religioso, e da Igreja Católica.

VI - Problemática da Obra

Pela estrutura da peça, pudemos notar que:

1- sua intenção clara e expressa é de natureza moral, e de moral católica;

2- os componentes estruturais do texto revelam personagens que simbolizam pecados [maiores ou menores], que recebem o direito ao julgamento, que gozam do livre-arbítrio e que são ou não condenados.

Percebe-se, de outro lado, que a preocupação maior reside em compor um auto de moralidade, ao estilo quinhentista português [modelo Gil Vicente], mas seguindo alinha do teatro dirigido aos catecúmenos, do Padre Anchieta.

Para tanto, a peça se embasa em determinadas tradições localistas e regionalistas do folclore, com vistas à sua sublimação como instrumento pitoresco de comunicação com o público [que, no caso, seriam os catecúmenos].

Com isso, nota-se que a realidade regional brasileira, especificamente a realidade nordestina, está presente através de seus instrumentos culturais mais significativos, as crenças e a literatura de cordel.

O autor não pretende analisar essa realidade brasileira, mas a partir dela moralizar os homens, isto é, dinamizar nas suas consciências a noção do dever humano e da responsabilidade de cada um em relação a seus semelhantes e em relação a Deus, onisciente e onipresente.

VII - Conclusão - Síntese

Como proposição estética, o Auto da Compadecida procura corporificar as seguintes noções:

1- a criação artística, o teatro em particular, devem levar o povo, a cultura desse povo a ele mesmo. Daí o circo, seu picadeiro e a representação dentro da representação.

2- menos do que essa realidade regional e cultural de um povo, o que importa é criar um projeto que defina ideias e concepções universais [as da Igreja, no caso] com o fim de conscientizar o público. Por esse motivo a realidade regional nordestina é, no caso, instrumento de uma ideia e não fim em si nessa;

3- criar um texto teatral é, antes de tudo, criá-lo para uma encenação, daí a absoluta liberdade que o Autor dá para qualquer modalidade de encenação. O próprio texto final da peça, como editado, é o resultado da experiência colhida a representação pública.
NOTA: As páginas indicadas se referem ao Auto da Compadecida, 10ª ed., Agir Editora, 1973.

domingo, 6 de maio de 2012

O AUTO DA COMPADECIDA - ARIANO SUASSUNA

João Grilo e Chicó arrumam um emprego com o padeiro da cidade. O cachorro da mulher do padeiro fica doente, João Grilo e Chicó vão à igreja para pedir ao padre que benzesse Xáreu. Mas o padre não concordou, João então disse que o cachorro era de Antônio Morais, um homem poderoso. Ao ouvir isso o padre aceitou benzer.
Quando iam saindo da igreja Chicó e J. Grilo viram Antônio indo para igreja. João se aproximou e avisou que o padre estava ficando louco chamando a todos de cahorro, para que ele não reparasse. Quando Antônio entrou na igreja logo o padre veio recebê-lo, como ele queria que a filha dele fosse benzida não houve confusão no início da conversa até que o padre referiu-se a cachorros e assim ofendeu a Antônio que disse que iria falar com o bispo sobre a groceria do padre.
Assim que ele saiu chegou na igreja o padeiro e sua mulher, João Grilo e Chicó. Xáreu acabava de morrer e a mulher queria que o cachorro fosse enterrado em latim. O padre e o sacristão não concordaram, mas João que podia agir como quisesse para conseguir o enterro logo inventou que o cachorro era cristão e em troco do enterro deixava dez contos de réis para o padre e três para o sacristão. E assim o enterro foi feito.
Quando voltaram à igreja o bispo estava lá e já sabia das reclamações contra o padre. Ao saber do enterro condenou a ação como um sacrilégio, mas João logo disse que o animal tinha deixado três contos de réis para o sacristão, quatro para o padre e seis para o bispo e assim todos concordaram com o enterro.
Foi então que a muher chegou trazendo o dinheiro para que João o entreguasse ao pessoal. Quando ela estava indo embora J. Grilo lhe ofereceu um gato que “descomia” dinheiro. A mulher ficou animada e comprou o gato, mas logo que foi embora voltou como marido, pois já tinha arrancado do gato todo o dinheiro que Chicó tinha infiado no pobre animal.
Nesse momento entrou na igreja Severino e seu capanga. Ele tomou todo o dinheiro e matou o bispo, o padre, o sacristão, o padeiro e sua mulher. Quando chegava a vez de João ele ofereceu a Severino uma gaita que ressucitava as pessoas.
Para demostrar a eficiência da gaita João deu uma facada em Chicó e lhe furou uma bexiga de bode cheia de sangue que a um tempo atrás Chicó havia pindurado em si por baixo da blusa. Logo depois começou a tocar a gaita e Chicó fez que havia ressucitado.
Em troca da gaita queriam a libertação. Mas Severino estava indeciso então João falou que ele poderia ir ver seu padrinho Padre Cícero, assim o capanga de Severino lhe dá um tiro e em seguida tocou a gaita e obviamente o cangaeiro não voltou à vida. O capanga tentou matar João e assim os três começaram uma luta e João Grilo acabou por enviar uma faca no homem.
Chicó correu pra fora da igreja, João ainda foi até Severino e pegou o dinheiro do enterro e o da padaria. O capanga que ainda não havia morrido, pegou o rifle e em seu último minuto deu um tiro em J. Grilo.
Aparecem então todos no céu. Era a hora do Juízo Final. Apareceram o diabo e Jesus e deu-se início ao julgamento, o diabo acusou a todos e Jesus viu que aquele era um caso díficil. João então chamou Nossa Senhora, mãe de Jesus para interceder por eles. Foi o que ela fez. O padre, o bispo, o sacristão, o paderio e sua mulher foram todos para o purgátorio. Severino e o seu capanga foram absolvidos e foram para o paraíso. João simplismente retornou a seu corpo.
Quando acordou viu Chicó e um palhaço o enterrando, quando ele levantou o palhaço saiu correndo e Chicó de tanto medo nem conseguiu correr. Depois de uma pequena confusão João conseguiu fazer seu amigo acreditar que ele estava vivo. Os dois então se animaram afinal estavam ricos com o dinheiro do enterro e o do padaria que o cangaceiro havia roubado.
Mas Chicó lembrou que prometou a Nossa Senhora que se João escapasse dessa lhe daria todo o dinheiro. Assim os dois começaram a discutir sobre a promessa. Por fim os dois acabaram indo pagar a promessa e entregaram todo o dinheiro a Nossa Senhora.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

LIRA DOS VINTE ANOS

O livro é dividido em duas partes, onde na Primeira Parte de Lira dos Vinte Anos predomina a poesia mais sentimental, o devaneio do primeiro Byron e de Musset. Pontificam o medo de amar, o desejo vago por virgens inatingíveis, o sentimento de culpa frente aos desejos carnais e o fascínio com a morte. Trata-se de uma poesia de seres imaginários e ideias abstratas vagando na noite enevoada. Na Segunda Parte de Lira dos Vinte Anos, Álvares de Azevedo envereda por um romantismo irônico e sarcástico. Sem abandonar os temas do amor e da morte, representados sempre sob o manto da noite sombria, passa agora a “falar com coisas” (para usar o termo de João Cabral de Melo Neto) - a poetizar os objetos que o rodeiam. Vai agora, em processo claramente metalinguístico, dialogar ironicamente com os grandes autores do romantismo. Escreve sobre os charutos, sobre uma queda de cavalo (intuição?), sobre o dinheiro (ou a falta deste), em suma, sobre temas corriqueiros que não cabiam na poesia onírica e sentimental da Primeira Parte.






domingo, 29 de abril de 2012

O TEATRO MÁGICO

Muita Literatura, cultura, sentimento, expressão, arte...  Ouçam, assistam!

O TEATRO MÁGICO

"Senhoras e Senhores, as coisas óbvias e simples passam despercebidas muitas vezes diante de nós e a gente perde a poesia do cotidiano. Ontem acabou, passou, já foi; daqui a pouco nem existe ainda, nem começou e a gente só tem agora para poder se declarar, para poder criticar, para poder olhar no olho, para se confessar, para ser e estar..."