segunda-feira, 9 de abril de 2012

A alma encantadora das ruas - João do Rio


http://www.youtube.com/watch?v=5Db14AyNyc4

A crônica é um gênero literário muito praticado no jornalismo pois busca refletir, narrar ou descrever sobre alguns acontecimentos que se destacam na sociedade, trazendo um olhar subjetivo mais explícito do autor. Aos poucos essa forma de lidar com o fato tornou-se um documento que registra os aspectos sociais e culturais de uma época.

Muitos nomes que se destacaram no gênero podem ser citados como referência, alguns de menor valor e que existem aos montes nas redações dos jornais afora; outros verdadeiros gênios da linguagem conseguiram fazer dela um texto universal. Entre esses escritores da segunda estirpe está o carioca João do Rio e a sua obra A alma encantadora das ruas (1908), reunião de crônicas que, por ter como pretensão captar a alma das ruas do Rio de Janeiro do início do XX, vai mais além, servindo como um documento acerca de qualquer rua, qualquer que seja o lugar e o tempo.

Dividido em cinco partes, a obra apesar de ser constituída de textos independentes, parece ser construída em uma sequência lógica, onde um complementa o outro na formação dessa vida na urbe.

Logo em sua primeira crônica A rua, temos uma espécie de prólogo que revela – em uma linguagem bastante próxima da poética, talvez por isso seja uma das melhores crônicas do livro – as histórias e origens de várias das principais ruas do Rio de Janeiro, revelando-nos sua aura e seus ares peculiares. Somos também apresentados a uma nova arte: a arte de flanar. Definida pelo autor como o dom de perambular pelas ruas captando sua essência, João do Rio define o seu modus operandi para a construção das crônicas que seguem a obra, demonstrando, antes de tudo, uma paixão e um olhar pelo despercebido – o que só reforça o olhar poético inerente à sua obra.


Aos poucos somos retirados dessa visão um tanto quanto apaixonada demais que o autor possui pelas ruas e, tal qual uma viagem ao inferno dantesco, somos enviados a outro inferno, que não está situado abaixo de nós, mas entre nós: o inferno das ruas. Os quatro capítulos que seguem o inicial, funciona como os círculos do inferno descritos por Dante, aumentando o nível de dificuldade à medida que avançamos no texto.

Nas várias profissões informais que são nos apresentadas em um formato de texto que mistura a crônica, com contos e reportagens, podemos observar as dificuldades enfrentadas pelo dito “povão” para sobreviver. São tatuadores, urubus, músicos, que, com originalidade, driblam os desafios encontrados e sobrevivem, dignamente ou não. Vale ressaltar que apesar de tomarmos conhecimento dessas dificuldades, João do Rio as descreve de forma que as valorize, enxergando até beleza nelas. E é nesse clima de beleza e alegria com que essa gente encara a vida, outros pontos reforçam essa espontaneidade festiva do povo como os presépios natalinos, as festas de carnaval e a criatividade nos nomes dos anúncios de casas comerciais.

Dentro disso tudo, sobressai o tom irônico e crítico com que João do Rio descreve essas realidades, conferindo às suas crônicas um olhar peculiar, que ora mistura alegria, tristeza,
crítica, informação e poesia, extraindo ao máximo o que esse universo da urbe pode proporcionar.

Focando no lado ruim dessas coisas que a rua pode nos proporcionar, a terceira parte da obra debruça-se sobre a dureza da vida nas ruas, descrevendo os mendigos, as explorações, a dor e sofrimento dessa gente, revelando o que há, de fato, por trás da mágica alegria das ruas. Como não ver a realidade atual nesses textos que falam de crianças pedintes e exploradas; em senhoras invejosas em busca da ascensão social a todo custo; e das prostitutas.

O que mais chama a atenção nos relatos de João do Rio é o constante olhar próximo que nos revela a realidade crua e, inclusive, os sentimentos do cronista ao entrar em contato com a realidade, comovendo-nos muitas vezes em seus relatos.

Outro aspecto relevante no texto desse jornalista é preocupação em captar o que há de feio nas ruas, de captar o rejeitado, os enjeitados; dando voz àqueles que até então eram mudos. Percebe-se em seus textos que sobressai uma preocupação com o excluído, tendo como pano de fundo uma visão social que busca expor as mazelas, contrapondo-se à beleza tão pautada da cidade maravilhosa. Os excluídos são incluídos nessa realidade, que mistura dor, alegria e sobretudo fascínio no escritor e em seus leitores.

Como conseqüência dessa vida sofrida a qual os excluídos estão submetidos constantemente, temos as prisões – uma forma de apontar a que tipo de recurso a maioria recorre para sair dessa situação. Mas ao contrário do que se prega, as prisões descritas por João do Rio, parece se configura o verdadeiro inferno, que denigrem ainda mais as condições de vida dessas pessoas. Porém, como se buscasse afirmar que nem tudo estava perdido, João do Rio traz à tona o aspecto mais humano dessas pessoas, não se prendendo aos crimes que eles cometeram. O cronista nos mostra, por meio de poetas e crimes de amor, que antes de qualquer crime que os tenha levado à prisão – e saberemos que até o mais ínfimos gesto os conduz a ela -, existem seres humanos ali. E, por conseguir mostrar a presença de humanos nesses ambientes é que o autor consegue revelar a verdadeira alma das ruas, que nada mais é do que a alma de quem as habita: seres humanos, afinal: “A rua nasce, como o homem, do soluço, do espasmo. Há suro humano na argamassa do seu calçamento”.

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